O blog

Este blog foi criado em 2008 para a postagem das minhas colunas que eram publicadas no Infomoney e no extinto A Cidade.
Atualmente publico no jornal O Pinhalense e no site O Financista.
Aproveitem!


sábado, 27 de junho de 2009

Inflação, patrimonialismo e Robin Hood

Coluna publicada no A Cidade, em 31 de maio de 2008

Há duas semanas, o jornalista e professor da PUC/SP, Hamilton de Souza, escreveu no jornal A Cidade argumentando que a volta da inflação seria culpa do governo. A análise do jornalista é preocupante. Porém, a preocupação vem do fato de ainda existir um forte ranço patrimonialista na mentalidade de boa parte da população que em linhas gerais acredita que todo desenvolvimento econômico necessita de apoio governamental e que toda ação autônoma por parte de empresas privadas devem ser vistas com cautela e desconfiança. Alguns dos argumentos do professor e meus comentários sobre eles são os que seguem:

- Argumenta-se que a agricultura familiar fornece alimentos a preços mais baixos e, portanto é este segmento que precisa ser apoiado pelo governo. Duas inverdades: primeiro que por conta da pequena produção (falta de escala), os custos fixos da agricultura familiar não conseguem ser muito diluídos e algumas tecnologias que barateariam o custo unitário de produção tornam-se inviáveis de serem aplicadas. Resultado prático disso é um custo maior em relação a uma empresa que produza em grande escala. Segundo que a falsa sensação de que agricultura familiar produz mais barato surge por conta justamente dos subsídios que o governo fornece a estes produtores os quais o professor diz que o setor carece.

- Logo em seguida, ataca-se à alta no preço dos alimentos que seria articulada por grandes corporações internacionais presentes no país. Mas a agricultura familiar não se beneficia da alta nos alimentos também? E a renda do país enquanto produtor e exportador de alimentos não tende a crescer? E conforme já disse em uma coluna anterior, se o argumento é que existem empresas explorando a população, por que não abrir uma empresa neste mercado também? Se a exploração realmente existir, a nova companhia terá condições de ofertar alimentos a preços mais baixos (e sem ajuda do governo!). Ou se preferir, pode-se também atuar explorando a população em geral, mas revertendo os lucros para a agricultura familiar que tanto necessita de apoio segundo o jornalista. Seria uma espécie de capitalismo Robin Hood.

- Argumento similar deve ser usado quando Hamilton critica a falta de apoio à produção de trigo há quase 30 anos e a necessidade, hoje, da importação do produto a preços elevados. Novamente há dois equívocos neste raciocínio. O trigo é uma cultura cuja colheita se faz em menos de 6 meses após seu plantio. Portanto, se os preços estão altos, não é preciso empurrão do governo para que os brasileiros comecem a plantá-lo. Os próprios produtores percebendo o mercado aquecido iriam atrás para produzir. E mesmo se o Brasil produzisse muito trigo, a produção nunca seria grande o suficiente para impactar a cotação internacional do produto. Ou seja, os preços permaneceriam altos e não existiria razão para os produtores brasileiros ofertarem trigo a preços mais baixos no mercado interno, se existe a possibilidade de exportá-lo a preços elevados.

- Sobre o superávit primário, considerado elevado e mal aplicado, é um erro interpretá-lo como uma reserva do governo ou sobra de caixa. O superávit primário tem esse nome por justamente não considerar os juros sobre a dívida pública que o governo ainda deve pagar. Deve-se compreender que esta dívida não surgiu do nada. O governo se endividou para justamente ter recursos para investir dentre outras coisas nos subsídios à agricultura. É verdade que a dívida contraída poderia ser aplicada de forma mais eficiente, inclusive com um enxugamento do Estado. Mas esta é outra discussão.

Devemos nos livrar da idéia que dependemos do Estado para nos desenvolver. Reclamar que o Estado não apóia isso ou aquilo é desculpa para a inação. O Estado deve fornecer o básico: educação, saúde e segurança (inclusive institucional). O resto é conosco.

A era dos balconistas filósofos

Coluna publicada no A Cidade, em 23 de fevereiro de 2008

Duas semanas atrás uma pequena nota neste jornal dizia que um em cada dez brasileiros com diploma universitário estava ocupado em um cargo que exigia um baixo nível de escolaridade. Na semana seguinte, em artigo da Veja, Gustavo Ioschpe argumentava que é preferível um balconista com diploma superior a um outro que seja analfabeto. O articulista da Veja tem razão, porém, erra o alvo ao sugerir que qualquer diploma universitário traga retornos ao seu detentor. Em cidades pequenas, como a nossa, não existem tantas vagas que possam ser ocupadas por um diplomado em um curso qualquer.

Para que o retorno do investimento na educação seja positivo, nestes casos, é necessário que as aptidões desenvolvidas durante a faculdade sejam no mínimo similares àquelas empregadas no trabalho. Se houvesse somente vagas para balconistas na cidade, não haveria razão para acreditar que a produtividade (que reflete o salário) de um balconista filósofo fosse maior do que a de um balconista técnico em contabilidade. Do mesmo modo que um jornalista filósofo deva ser muito mais produtivo que um jornalista técnico em contabilidade.

Em outras palavras, se as pessoas querem ter ganhos salariais com um diploma, deveriam olhar o mercado de trabalho antes de optar por um curso. Ao investirem na própria educação, elas deveriam ser mais racionais na tomada de decisão do mesmo modo que o são quando procuram a melhor aplicação financeira para suas economias.

Neste sentido, seria salutar a ampliação da oferta de cursos técnicos de nível superior no país como um todo e em nossa cidade, em particular. Os cursos técnicos além de serem mais baratos e de menor duração, possibilitam um maior grau de empregabilidade a seus alunos, pois os capacitam a funções específicas demandadas pelo mercado de trabalho que nem sempre são supridas por bacharelados. No Posto de Atendimento ao Trabalhador (PAT) de Pinhal, por exemplo, há uma vaga para um cadista (operador de um software de engenharia chamado CAD). Existe algum curso na cidade que ensine aos alunos além de usar esse programa, operar um torno para fabricar uma peça que tenha sido desenhada com o auxílio do CAD (ou seja, o lado prático do que se aprende)? Para os mais céticos, já adianto que não é necessária a estrutura de uma faculdade de engenharia para se oferecer um curso como este na cidade.

Mas o que se vê hoje é a uma oferta desproporcional de cursos de bacharelado em relação aos cursos técnicos. E, além disso, a quantidade de vagas na área de humanas é superior à necessidade de nossa economia. Há hoje tantas vagas de direito nas faculdades do país quanto o número de advogados empregados.

Porém, se a solução são os cursos técnicos, além da oferta é preciso aumentar a demanda por eles. Deve-se acabar com a mentalidade de que curso técnico serve apenas para formar pedreiros e eletricistas. Estou falando de cursos técnicos de nível superior. Vide o SENAC que oferece cursos que vão desde o design gráfico até a hotelaria. Novamente enfatizo: existem hoje mais vagas no mercado de trabalho que seriam melhor ocupadas por um técnico da área de exatas do que por um bacharel em ciências sociais. A economia terá maiores ganhos de produtividade com balconistas que tenham um bom raciocínio matemático do que com aqueles que queiram discutir o materialismo histórico com seus clientes.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Quanto vale Kaká?

Coluna publicada no A Cidade, em 6 de Junho de 2009

Enquanto escrevo está sendo noticiada a venda do meio-campo da seleção, Kaká, para o Real Madri da Espanha. O negócio, se concretizado, vai envolver o montante de R$ 180 milhões de reais, um dos maiores da história do futebol. Por ser o clube que formou o jogador, o São Paulo terá direito a 5% da transação, ou seja, cerca de R$ 9 milhões. O curioso é que isto equivale à metade do valor recebido pelo clube paulista quando negociou Kaká com o Milan, em 2003. Em outras palavras, o São Paulo vendeu Kaká por 10% do que ele vale hoje.

O São Paulo vendeu mal o atleta naquela época? Ou foi o Milan que soube vender muito bem o jogador? Nem um nem outro. Conforme a revista Veja reportou algumas semanas atrás, o negócio de comercialização de jogadores de futebol passou a ser algo altamente lucrativo quando algumas promessas juvenis se tornam craques profissionais. Portanto, jogadores de futebol passaram a ser opção de investimento para grandes investidores e algumas empresas.

Os jogadores, então, passaram a ser considerados como ativos na carteira de investimento destes agentes do mercado e, portanto, passaram a ser avaliados economicamente como os demais ativos financeiros. Ou seja, o preço de um ativo (jogador) deve ser equivalente a toda sua valorização futura esperada, descontado no tempo por uma taxa que reflita todos os riscos desta valorização se frustrar, que no caso de um jogador de futebol, são nada desprezíveis.

Sob este aspecto, é perfeitamente razoável supor que a negociação de Kaká pelo São Paulo, no passado, por 10% do que ele vale hoje foi o valor justo pelo jogador na época. É só ponderar que em 2003 Kaká ainda era muito jovem e só tinha provado seu talento enfrentando basicamente times brasileiros, em campeonatos regionais e nacionais. Levá-lo para o ambiente altamente competitivo de um campeonato europeu, com todas as incertezas se ele se adaptaria ao estrangeiro, ao estilo do futebol e à pressão, eram todos riscos que certamente foram considerados em sua precificação, tornando-a mais baixa.

Hoje, superadas todas estas incertezas, sendo um jogador de primeira linha, já eleito como melhor do mundo, restam poucos riscos que podem afetar os rendimentos que Kaká pode trazer para seu clube e investidores. Logo, são poucos os descontos que afetariam seu preço, que merecidamente é alto. É a economia!