O blog

Este blog foi criado em 2008 para a postagem das minhas colunas que eram publicadas no Infomoney e no extinto A Cidade.
Atualmente publico no jornal O Pinhalense e no site O Financista.
Aproveitem!


quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Milhas, bônus e monetarismo

(coluna publicada na Infomoney em 25/04/08)

Programas de milhagem e bônus de cartão de crédito são verdadeiros mecanismos de emissão de moeda. Neste caso, a moeda em questão é usada tão somente para transacionar mais passagens aéreas ou outros produtos à disposição no catálogo do programa.

Nos últimos anos, tem-se observado que os órgãos emissores destas milhas e bônus têm conduzido suas "políticas monetárias" de forma um tanto quanto frouxa, permitindo que a "base monetária" cresça aceleradamente. Os fatores para esta expansão da oferta de milhas e bônus são muitos.

Pelo lado das milhas, a oferta destas tem crescido com o próprio aumento do mercado de transporte aéreo, mas também com os inúmeros convênios que as companhias aéreas fazem entre seus programas de milhagem e outros serviços como aluguel de carros, redes de hotéis e mesmo cartões de crédito. Hoje em dia, nem mais é preciso ter voado uma única vez sequer para obter uma passagem aérea via acúmulo de milhas.

No caso dos bônus, a emissão deste meio de pagamento é atrelada ao dólar. Quanto maior for a conta do cartão de crédito convertida em dólares, mais se ganha bônus. A valorização do real no período recente, portanto, por si só já constitui um fator de expansão de oferta desta moeda. Mas ainda existem agravantes. No início da década, quando a taxa cambial era favorável aos emissores de bônus, os administradores destes programas começaram a flexibilizar suas políticas de emissão quebrando a paridade que até então existia para alguns clientes.

Ou seja, passaram a emitir mais de um bônus por dólar. Não é necessário dizer que estes beneficiados também eram os clientes com potencial de uso mais intensivo do cartão. Isto certamente agravou o efeito da valorização do real descrito acima. Ademais, o cartão de crédito também tem passado por uma escalada de sua base de clientes que certamente contribui para elevação da oferta de bônus.

Qualquer aluno de graduação em economia sabe que um aumento na oferta de moeda significa inflação caso não haja um correspondente aumento no produto total da economia. Não impondo limites à emissão, os administradores destes programas de milhas e bônus provocam tensões inflacionárias em seus mercados. Porém, eles também controlam a produção (bilhetes aéreos, produtos em catálogo) nestes mercados. Neste caso, as opções ao alcance destes programas são:
  • Manter os preços expressos em milhas/bônus congelados, mas expandir a oferta de produtos. Uma opção custosa.

  • Manter a oferta inalterada, mas aumentar os preços dos produtos. Uma opção impopular.
  • Um meio termo entre as duas anteriores: expande-se a oferta via lançamento de novos produtos a preços que já estejam inflacionados.


Esta última opção tem sido a adotada pelos programas por justamente maquiar a inflação, ao mesmo tempo que se passa a impressão de a empresa ter feito um agrado a seus clientes ao aumentar as opções de escolha para conversão de milhas e bônus.

Isto tão é verdade que o próprio site InfoMoney, em matéria do dia (17/04), veiculou reportagem sobre promoções de companhias aéreas na qual dizia que a TAM havia expandido seu programa de milhagem oferecendo alguns trechos nacionais por 3.000 milhas ao passo que anteriormente o trecho mais barato para qualquer lugar da América do Sul custava 10.000.

Ótimo! Agora, pode-se obter uma passagem gastando 30% do que se gastava anteriormente. No entanto, uma checagem dos trechos que fazem parte da dita promoção permite constatar que se estas passagens fossem pagas em dinheiro, a relação de preços seria menor que 30%. Ou seja, estas passagens promocionais estão inflacionadas em milhas.

Nunca ninguém reparou que os preços relativos dos produtos nos catálogos de bônus são totalmente distorcidos se comparados com os preços relativos dos mesmos produtos expressos em dinheiro? Eis uma explicação.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Velhos problemas e as origens da crise

(Coluna da Infomoney publicada em 10 de Outubro de 2008)

A teoria microeconômica nos ajuda a explicar alguns velhos problemas detectados nas origens da crise do setor financeiro que assola o planeta. Um deles é o clássico problema do agente-principal. Este é o problema de como uma pessoa A, o principal, pode incentivar uma outra B, o agente, para agir em benefício de A e não segundo seus próprios interesses. Na atual crise, os investidores de derivativos de crédito imobiliário e de títulos lastreados em hipotecas (CDOs e MBSs*) agem como o principal e contavam com a manutenção dos padrões de concessão de crédito de seus agentes, os financiadores imobiliários.

No entanto, o modelo de financiar o imóvel e repassar o empréstimo para frente como se fosse uma batata quente gerava pouco incentivo para o financiador se preocupar com o risco de crédito dos tomadores. Pelo contrário, os financiadores cediam os empréstimos, vendiam logo em seguida para os bancos que por sua vez securitizavam os recebíveis.

O sistema de incentivo foi invertido no sentido dos agentes se preocuparem mais nas comissões de suas negociações do que no fluxo de caixa que essas operações gerariam ao longo do tempo. Assim priorizavam a quantidade de operações ao invés da qualidade dos tomadores.


Desnecessário dizer que o risco de crédito aumentou drasticamente o que levou a uma crescente inadimplência tão logo os preços dos imóveis começaram a cair.

Outro problema detectado é o do risco moral. Este é o risco de um contrato prometer ganhos em certas condições e com isso incentivar uma das partes do contrato a mudar sua atitude adotando condutas que levem estas situações específicas a terem uma probabilidade maior de ocorrência.


Nesta crise, investidores e bancos usaram recursos de curto prazo para investir em produtos complexos de longo prazo, como os CDOs e MBSs, na expectativa de rolarem seus compromissos de prazos menores com recursos provenientes de mercados de alta liquidez como o interbancário. O risco desta estratégia, na visão dos players, é pequeno, pois todos contam com a injeção de liquidez do banco central caso isto se torne necessário. E como pode-se constatar, é exatamente isto o que está acontecendo.


Este problema do risco moral está sempre presente no mercado financeiro, pois os custos de se deixar uma instituição financeira ir à falência podem ser muito grandes para fazerem com que o banco central assista a um contágio de forma passiva.


As peculiaridades do setor (lê-se sua grande importância para o funcionamento da economia) fazem com que as conseqüências negativas das práticas de livre mercado, ou seja, as falências, não sejam imputadas sobre as instituições na maioria dos casos. Se o risco moral leva a este tipo de atitude oportunista, há espaço para mais regulação.


Nesta crise, o risco moral incorrido pelos agentes provou ser um tiro no pé, pois no momento atual, mais do que liquidez, o que falta é confiança entre os agentes. E quanto a isto, os bancos centrais têm se mostrado impotentes em prover.

*CDO: collaterized debt obligation
MBS: mortgage-backed security.