O blog

Este blog foi criado em 2008 para a postagem das minhas colunas que eram publicadas no Infomoney e no extinto A Cidade.
Atualmente publico no jornal O Pinhalense e no site O Financista.
Aproveitem!


sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Precatórios

Coluna publicada no jornal A Cidade, em 26 de Setembro de 2009

A Prefeitura de Pinhal paga seus precatórios em dia? Não sei responder. Tampouco sei dizer se existe um estoque de precatórios no município. Mas tem muitos estados e municípios que estão altamente endividados com precatórios, sem ter como pagá-los e buscando na Câmara dos Deputados uma maneira de dar o calote nesta dívida.

Precatórios nada mais são que sentenças judiciais de ações movidas contra o poder público. Eles são categorizados em dois grupos: os alimentares e não-alimentares. Os alimentares são aqueles oriundos de processos trabalhistas contra o ente público. Os não-alimentares são aqueles de natureza diversa, como desapropriações contestadas, questionamentos de contratos públicos etc.

Se você está no trânsito e uma ambulância da Prefeitura bate no seu carro, você pode processar o município para reparar este dano. Seu processo deve demorar uns cinco anos para ser julgado. Uma vez dada a sentença você torna-se um precatorista, daí é torcer para que o governante de plantão tenha boa vontade e condições de te pagar e que não exista uma fila de precatoristas para receber antes de você.

No Brasil, estima-se que o estoque atual de precatórios seja de R$ 100 bilhões. Os maiores devedores são o Estado e o Município de São Paulo, com R$ 20 bilhões e R$ 15 bilhões respectivamente. Mas o ente federativo com situação mais crítica em relação a sua capacidade de pagamento é o Estado do Espírito Santo. Lá, estima-se que a fila de precatórios levará mais de 100 anos para ser paga.

Para dar uma falsa sensação de solução a este problema, os estados e municípios estão pressionando o Congresso para aprovar a proposta de emenda a Constituição que disciplina o pagamento deste estoque de precatórios limitando um percentual das receitas de cada ente para este fim. Além disso, a proposta cria um mecanismo de leilão no qual os precatoristas poderão oferecer deságios sobre seus precatórios para que o devedor os liquide. Mas trata-se de um leilão de um comprador só: o devedor. Logo, esperam-se grandes deságios configurando este mecanismo como uma espécie de institucionalização do calote.

A matéria é bastante sensível a advogados e construtoras, que são grandes precatoristas. Os primeiros por receber seus honorários como parcela das ações movidas por seus clientes e os segundos por serem grandes fornecedores do poder público. Portanto, estes agentes também têm se mobilizado e proposto alternativas ao leilão.

Uma destas alternativas envolve a criação de fundos de investimento em infraestrutura, nos quais os precatoristas trocariam seus precatórios por quotas destes fundos e o Governo Federal assumiria estes precatórios aportando os recursos necessários. Os Estados e Municípios passariam a dever, então, para o Governo Federal e não mais para os precatoristas. Outra alternativa seria o Governo Federal capitalizar uma empresa estatal com estes recursos e emitir para o precatorista ações desta empresa para serem negociadas em bolsa.

Mas o desfecho desta solução para os precatórios passará muito mais por negociações políticas do que técnicas, sem surpresas quanto a isso...

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Gurus e Analistas. Quem compra?

Coluna publicada no A Cidade, em 29 de Agosto de 2009
Esta semana fui entrevistado pelo portal Infomoney para opinar sobre a atitude de alguns investidores de sempre seguir o que os gurus do investimento fazem e o que os analistas recomendam. Questionaram-me qual seria o motivo dessa obsessão, qual seria uma maneira mais racional de utilizar os relatórios emitidos pelos analistas e quais as alternativas para alguém tomar decisões de investimento sozinho.

Respondi que é muito confortável para a consciência de uma pessoa seguir as orientações de alguém que ela julga saber mais (ou ter maior informação). Se o investimento der certo, ela é esperta. Se der errado, ela culpa o sujeito que a orientou.

Conselhos de gurus são pouco eficazes. A lista de novos milionários não guarda relação com o número de livros vendidos pelos gurus. Isso me leva a crer que o guru ou aconselha deliberadamente de forma errada ou simplesmente suas estratégias não funcionam fora do contexto no qual elas uma vez funcionaram para ele.

Quanto às dicas dos analistas deve-se ter ciência que tratam-se de recomendações. Os analistas elaboram seus modelos, adotam suas premissas e chegam a um valor para a companhia analisada. Trata-se de um valor justo de mercado, um preço teórico dada as premissas adotadas. É, portanto, muito pretensioso chamar isto de preço-alvo da ação. A ação no mercado só chegará a este valor se todos os agentes concordarem com as premissas assumidas pelo analista, algo pouco provável.

Daí a importância de se dar ampla divulgação as premissas consideradas em cada análise. Todos os analistas que conheço são muito bons e competentes tecnicamente, mas isso de nada adianta se eles não tiverem bom senso e não forem bem assessorados na adoção de suas premissas.

No que tange os relatórios dos analistas de mercado, suas análises são boas e interessantes. Como geralmente estes profissionais estudam um pequeno número de setores, eles se tornam especialistas naqueles sob sua responsabilidade o que enriquece as análises.

O que há de mais útil nestes relatórios não é o preço-alvo de cada ação, mas sim a tendência do mercado no qual a empresa está inserida e como na visão do analista a companhia terá condições de aproveitar estas tendências para gerar valor a seus acionistas. Ou seja, associado a um estudo de mercado existe toda uma análise de riscos e oportunidades de se investir na empresa.

Com posse deste tipo de informação o investidor passa a interessar não pela companhia cujo preço justo de mercado esteja mais descolado do preço atual, mas por aquela que terá melhor condições de atingir este preço teórico. Isto é, aquelas empresas cujas análises assumem premissas que o investidor julgue mais factível serem concretizadas.

Na ausência de relatórios, os recursos disponíveis para um pequeno investidor tomar decisões seriam as fontes primárias que os analistas usam: projeções macroeconômicas de bancos ou consultorias, notícias e informações setoriais, que geralmente são feitas por associações da indústria, consultorias ou mídia especializada, e informações junto à própria empresa sob análise. O departamento de relações com investidores serve justamente para isso.

Sabesp

Só pra não esquecer: por que Sabesp OU licitação e não Sabesp COM licitação?

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Os Muppets do IPEA

Coluna do A Cidade e Infomoney, publicada em 15 de Agosto de 2009


Quem não se lembra do Muppet Show? O programa de TV com uns personagens de fantoche bizonhos que se assemelhavam a animais e viviam entrando em confusão. Aqui no Brasil, os personagens ficaram mais conhecidos com o desenho animado Muppet Babies que passava em canal aberto na década de 90.

Mais recentemente, os Muppets abandonaram a televisão e invadiram o IPEA. Resolveram fazer pesquisa econômica aplicada sem perderem o faro para a confusão. Assim como na TV, os Muppets do IPEA são liderados por Caco, ou Marcio Pochmann na versão do Instituto de Pesquisa. Caco é um sujeito de fala mansa que vive no mundo da lua fantasiando em conquistar sua paixão, a Miss Piggy.

O gigantismo estatal é a Miss Piggy de Pochmann. A Miss Piggy é uma charmosa e simpática porca loira de olhos azuis que sonha em virar estrela de TV, mas quando contrariada se torna violenta e agressiva. O Estado Miss Piggy é o idealizado por Pochmann.

Os Muppets do IPEA também são fantoches. São manipulados por idéias retrógadas de um desenvolvimento econômico a ser conquistado somente via intervenção direta de um Estado paternalista e onipresente na economia.

Pochmann e Caco: as semelhanças vão além da simpatia


A última sugestão de intervenção estatal que o IPEA e Pochmann apresentaram foi o de redução da jornada de trabalho para 37 horas semanais em substituição das 44 horas atuais. Segundo um estudo do instituto de pesquisa, só assim haveria condições de o país atingir o pleno emprego. Ao lançarem a panacéia para a platéia de desempregados, no entanto, os pesquisadores esqueceram de avisar que isto estará associado à redução salarial do pessoal atualmente empregado. Sem contar os custos adicionais para o empregador que diminuiriam a competitividade da indústria e a perda de eficiência de se criar praticamente um quarto turno na jornada de trabalho.

Ao constatar que a distribuição do tempo de trabalho é desigual no país, com muitas pessoas trabalhando mais que 44 horas por semana e muitos com carga horária bastante reduzida, Pochmann comenta que “uma melhor redistribuição dessa jornada permitiria mais pessoas ocupadas do que a simples redução da jornada oficial”. O economista esquece de observar que esta redistribuição não pode ser imposta e o status atual tampouco foi fruto de uma decisão deliberada de algum ente do mercado.

Se há desigualdade nas jornadas, foi um ajuste natural da economia. Alterar esta distribuição requer intervenções nos mecanismos de incentivo do mercado de trabalho que invariavelmente tem como conseqüências o aumento nos custos de contratação e o crescimento de informalidade.

O estudo do IPEA complementa seu argumento dizendo que o fim do desemprego com a redução da jornada de trabalho só será possível assumindo a premissa de manutenção dos investimentos no aumento de capacidade produtiva e com uma evolução do PIB acima de 4% ao ano. Nada mais óbvio. Com soluções deste tipo, até mesmo Gonzo ou Animal poderiam sugerir políticas públicas. E pelo visto eles já estão fazendo isso.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

PCH polêmica

Coluna a ser publicada no Jornal A Cidade de 1 de Agosto de 2009

Concordo com a Cemirim quando o assunto é a PCH em estudo para ser instalada na região do bairro Veridiana. Ninguém ainda decretou que a usina será construída. Tudo é muito preliminar e ainda deve ser feito o estudo de viabilidade econômica e ambiental. Ou seja, se os danos à região atingida superarem os benefícios econômicos de uma PCH, o projeto será considerado inviável e engavetado.

Mas este estudo dos impactos ambientais deve ser feito com bases técnicas. Não será a gritaria de pessoas ambientalmente engajadas que determinará se os prejuízos são grandes ou pequenos. Este método de gritar ao invés de argumentar e de apelar para as emoções com o emprego de palavras do tipo “santuário”, “berço dos dourados” e “matança de peixes” são típicos de ambientalistas.

Muitas vezes este ambientalismo radical perde a razão quando confrontado com fatos e dessa maneira perde a credibilidade toda vez que se manifesta. Por isso não estou nem um pouco preocupado, a priori, com a PCH do bairro Veridiana e tampouco com os dourados que habitam por lá. Os estudos (e não os gritos) dirão se devemos nos preocupar ou não.

Quanto à justificativa econômica de se construir uma PCH, se ela irá atender a região, não faz sentido construí-la em locais muito distantes para integrar o sistema de transmissão nacional. Sua proximidade mitiga o risco de falhas na transmissão e diminui o custo de energia na ponta consumidora. PCHs geralmente atendem consumidores industriais da região em que estão inseridas. Por isso, comparar sua potência com a capacidade de produção do país também não faz sentido. Assim como essa PCH próxima a Pinhal representaria 0,0044% da potência instalada do Brasil, o PIB municipal pinhalense representa 0,018% do PIB brasileiro. Concluímos então que a economia da cidade é desimportante? Eu acho que não é por aí...

Doou por quê?

Foi veiculado no AC que a Prefeitura doou terras para uma empresa construir seu centro de distribuição que gerará mais de 50 empregos. É a política industrial pinhalense em ação. Desconheço os detalhes da negociação, mas fico curioso para um detalhe: por que doar algo que se pode emprestar, no caso, ceder o direito de uso? Para a empresa beneficiada o efeito prático pode ser o mesmo se forem pré-estabelecidas e cumpridas condições de renovação automática da cessão do terreno. Talvez a justificativa seja manter aberta a possibilidade de, daqui a 30 anos, a administração municipal de plantão poder comprar o terreno de volta...

sexta-feira, 17 de julho de 2009

O papa e a crise

Coluna publicada pelo A Cidade e Infomoney.com, em 18 de Julho de 2009

A mais recente encíclica do papa Bento XVI “Caritas in Veritate” (“Caridade na Verdade”) trata sobre o desenvolvimento humano. E como não podia deixar de ser, aborda temas contemporâneos como a atual crise econômica. Sobre ela, o papa é assertivo: a crise do sistema econômico é fruto da busca exacerbada do lucro.

Sem dúvida que a busca do lucro gerou a crise, mas é inquestionável que a procura incessante pelo lucro também será a causa da recuperação econômica que ocorrerá. A busca do lucro é inerente ao sistema e estará presente em todas as fases dos ciclos econômicos. Não é esta a causa das mazelas do planeta.

O sistema provoca desigualdade e é injusto? Sem dúvida. Mas não se pode negar que continua sendo o melhor sistema. Qualquer mecanismo econômico que parta da premissa de ser igualitário é utópico e insustentável. Já é notório que mesmo com todos os ganhos de produtividade, os recursos do planeta não são suficientes para atender satisfatoriamente toda a população do mundo.

Só para exemplificar, caso dividíssemos de forma igual estes recursos entre todos os habitantes do globo, poderíamos chegar a uma situação na qual não sobrariam recursos, por exemplo, para as pessoas comprarem este jornal que você está lendo agora. Só isto tornaria a publicação de jornais algo sem sentido e os profissionais que trabalham em jornais já perderiam seus empregos. Isto é sustentável?

O papa, em sua encíclica, parece reconhecer isto e argumenta que falta ao sistema agir, nesta busca do lucro, de forma mais ética, caridosa e ambientalmente sustentável. Nada mais justo e oportuno. Mas ilude-se quem acha que este conselho deva ser acatado e seguido espontaneamente pela figura impessoal do “sistema” ou pelos líderes e dirigentes das grandes corporações capitalistas. Estes são meros maximizadores de lucro dentro dos limites impostos pelo mercado. E o mercado é formado pelos consumidores.

O conselho do papa deveria, então, ser seguido por todos. Nenhum capitalista passará a buscar o lucro de forma sócio-ambientalmente sustentável se ele não for incentivado para tanto. E este incentivo só surgirá quando isto for exigido por seus consumidores.

É muito cômodo culpar os empresários e banqueiros pelas mazelas do planeta. Mudar de atitude e reconhecer a parcela de culpa de cada um deve dar muito trabalho. Pois, parece ser mais fácil continuar jogando papel na rua e comprando DVD pirata...

terça-feira, 7 de julho de 2009

Ganhei a Mega Sena. E agora?

Coluna publicada no A Cidade, em 4 de Julho de 2009

Semana passada foi sorteado o maior prêmio da Mega Sena do ano. Foram cerca de R$ 55 milhões divididos por quatro bilhetes que acertaram todas as seis dezenas. Até onde eu sei, não foi ninguém de Pinhal quem levou essa bolada. Mas quem já não fez planos do que fazer com um prêmio da Mega Sena? Se algum leitor vier a ganhar, seguem alguns pontos a serem considerados antes de torrar todo o dinheiro em festas e nos novos parentes que aparecerão.

Sempre escuto histórias de pessoas que após ganhar grandes prêmios só compram imóveis e acabam imobilizando todo o prêmio. Conforme já escrevi anteriormente, ficar imobilizando recursos reflete uma visão retrógrada de bom investimento e criação de valor. Investir em imóveis é interessante? Sim, desde que se restrinja a uma parcela pequena do patrimônio.

Colocar tudo na poupança ou em um fundo de investimento conservador também já não é mais uma decisão óbvia para o premiado. Embora, em números absolutos, o rendimento mensal de um prêmio de loteria seja significativo, a tendência é este tipo de investimento ter nos próximos anos um rendimento cada vez menor dada as perspectivas de quedas cada vez maiores das taxas de juros reais da economia.

Uma economia com taxas de juros baixas deverá mudar a mentalidade do investidor brasileiro. Será o fim de uma era de ganhos sem riscos. Neste contexto, cada vez mais o investidor deverá buscar opções mais arriscadas de investimento se quiser buscar uma maior rentabilidade de seu patrimônio. Isto também contribuirá para a popularização de outras opções de investimento que sofriam concorrência desleal dos fundos de renda fixa, neste rol estão os títulos de dívida de empresas, as chamadas debêntures.

Para o ganhador da Mega Sena essa busca por mais risco e retorno quer dizer dedicar uma parcela cada vez maior de seu prêmio para o investimento em renda variável. Ou seja, investimento em ações de empresas e até mesmo em negócios próprios.

Espero que este seja o maior ganho do país com a queda dos juros: a criação de um espírito empreendedor naqueles que buscarem uma rentabilidade maior para seus investimentos. O Brasil só alcançará um bom nível de desenvolvimento econômico no dia em que um vencedor da loteria ao resgatar seu prêmio tenha o desejo de abrir um negócio próprio ao invés de deixar todo o dinheiro no banco rendendo juros.

sábado, 27 de junho de 2009

Inflação, patrimonialismo e Robin Hood

Coluna publicada no A Cidade, em 31 de maio de 2008

Há duas semanas, o jornalista e professor da PUC/SP, Hamilton de Souza, escreveu no jornal A Cidade argumentando que a volta da inflação seria culpa do governo. A análise do jornalista é preocupante. Porém, a preocupação vem do fato de ainda existir um forte ranço patrimonialista na mentalidade de boa parte da população que em linhas gerais acredita que todo desenvolvimento econômico necessita de apoio governamental e que toda ação autônoma por parte de empresas privadas devem ser vistas com cautela e desconfiança. Alguns dos argumentos do professor e meus comentários sobre eles são os que seguem:

- Argumenta-se que a agricultura familiar fornece alimentos a preços mais baixos e, portanto é este segmento que precisa ser apoiado pelo governo. Duas inverdades: primeiro que por conta da pequena produção (falta de escala), os custos fixos da agricultura familiar não conseguem ser muito diluídos e algumas tecnologias que barateariam o custo unitário de produção tornam-se inviáveis de serem aplicadas. Resultado prático disso é um custo maior em relação a uma empresa que produza em grande escala. Segundo que a falsa sensação de que agricultura familiar produz mais barato surge por conta justamente dos subsídios que o governo fornece a estes produtores os quais o professor diz que o setor carece.

- Logo em seguida, ataca-se à alta no preço dos alimentos que seria articulada por grandes corporações internacionais presentes no país. Mas a agricultura familiar não se beneficia da alta nos alimentos também? E a renda do país enquanto produtor e exportador de alimentos não tende a crescer? E conforme já disse em uma coluna anterior, se o argumento é que existem empresas explorando a população, por que não abrir uma empresa neste mercado também? Se a exploração realmente existir, a nova companhia terá condições de ofertar alimentos a preços mais baixos (e sem ajuda do governo!). Ou se preferir, pode-se também atuar explorando a população em geral, mas revertendo os lucros para a agricultura familiar que tanto necessita de apoio segundo o jornalista. Seria uma espécie de capitalismo Robin Hood.

- Argumento similar deve ser usado quando Hamilton critica a falta de apoio à produção de trigo há quase 30 anos e a necessidade, hoje, da importação do produto a preços elevados. Novamente há dois equívocos neste raciocínio. O trigo é uma cultura cuja colheita se faz em menos de 6 meses após seu plantio. Portanto, se os preços estão altos, não é preciso empurrão do governo para que os brasileiros comecem a plantá-lo. Os próprios produtores percebendo o mercado aquecido iriam atrás para produzir. E mesmo se o Brasil produzisse muito trigo, a produção nunca seria grande o suficiente para impactar a cotação internacional do produto. Ou seja, os preços permaneceriam altos e não existiria razão para os produtores brasileiros ofertarem trigo a preços mais baixos no mercado interno, se existe a possibilidade de exportá-lo a preços elevados.

- Sobre o superávit primário, considerado elevado e mal aplicado, é um erro interpretá-lo como uma reserva do governo ou sobra de caixa. O superávit primário tem esse nome por justamente não considerar os juros sobre a dívida pública que o governo ainda deve pagar. Deve-se compreender que esta dívida não surgiu do nada. O governo se endividou para justamente ter recursos para investir dentre outras coisas nos subsídios à agricultura. É verdade que a dívida contraída poderia ser aplicada de forma mais eficiente, inclusive com um enxugamento do Estado. Mas esta é outra discussão.

Devemos nos livrar da idéia que dependemos do Estado para nos desenvolver. Reclamar que o Estado não apóia isso ou aquilo é desculpa para a inação. O Estado deve fornecer o básico: educação, saúde e segurança (inclusive institucional). O resto é conosco.

A era dos balconistas filósofos

Coluna publicada no A Cidade, em 23 de fevereiro de 2008

Duas semanas atrás uma pequena nota neste jornal dizia que um em cada dez brasileiros com diploma universitário estava ocupado em um cargo que exigia um baixo nível de escolaridade. Na semana seguinte, em artigo da Veja, Gustavo Ioschpe argumentava que é preferível um balconista com diploma superior a um outro que seja analfabeto. O articulista da Veja tem razão, porém, erra o alvo ao sugerir que qualquer diploma universitário traga retornos ao seu detentor. Em cidades pequenas, como a nossa, não existem tantas vagas que possam ser ocupadas por um diplomado em um curso qualquer.

Para que o retorno do investimento na educação seja positivo, nestes casos, é necessário que as aptidões desenvolvidas durante a faculdade sejam no mínimo similares àquelas empregadas no trabalho. Se houvesse somente vagas para balconistas na cidade, não haveria razão para acreditar que a produtividade (que reflete o salário) de um balconista filósofo fosse maior do que a de um balconista técnico em contabilidade. Do mesmo modo que um jornalista filósofo deva ser muito mais produtivo que um jornalista técnico em contabilidade.

Em outras palavras, se as pessoas querem ter ganhos salariais com um diploma, deveriam olhar o mercado de trabalho antes de optar por um curso. Ao investirem na própria educação, elas deveriam ser mais racionais na tomada de decisão do mesmo modo que o são quando procuram a melhor aplicação financeira para suas economias.

Neste sentido, seria salutar a ampliação da oferta de cursos técnicos de nível superior no país como um todo e em nossa cidade, em particular. Os cursos técnicos além de serem mais baratos e de menor duração, possibilitam um maior grau de empregabilidade a seus alunos, pois os capacitam a funções específicas demandadas pelo mercado de trabalho que nem sempre são supridas por bacharelados. No Posto de Atendimento ao Trabalhador (PAT) de Pinhal, por exemplo, há uma vaga para um cadista (operador de um software de engenharia chamado CAD). Existe algum curso na cidade que ensine aos alunos além de usar esse programa, operar um torno para fabricar uma peça que tenha sido desenhada com o auxílio do CAD (ou seja, o lado prático do que se aprende)? Para os mais céticos, já adianto que não é necessária a estrutura de uma faculdade de engenharia para se oferecer um curso como este na cidade.

Mas o que se vê hoje é a uma oferta desproporcional de cursos de bacharelado em relação aos cursos técnicos. E, além disso, a quantidade de vagas na área de humanas é superior à necessidade de nossa economia. Há hoje tantas vagas de direito nas faculdades do país quanto o número de advogados empregados.

Porém, se a solução são os cursos técnicos, além da oferta é preciso aumentar a demanda por eles. Deve-se acabar com a mentalidade de que curso técnico serve apenas para formar pedreiros e eletricistas. Estou falando de cursos técnicos de nível superior. Vide o SENAC que oferece cursos que vão desde o design gráfico até a hotelaria. Novamente enfatizo: existem hoje mais vagas no mercado de trabalho que seriam melhor ocupadas por um técnico da área de exatas do que por um bacharel em ciências sociais. A economia terá maiores ganhos de produtividade com balconistas que tenham um bom raciocínio matemático do que com aqueles que queiram discutir o materialismo histórico com seus clientes.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

Quanto vale Kaká?

Coluna publicada no A Cidade, em 6 de Junho de 2009

Enquanto escrevo está sendo noticiada a venda do meio-campo da seleção, Kaká, para o Real Madri da Espanha. O negócio, se concretizado, vai envolver o montante de R$ 180 milhões de reais, um dos maiores da história do futebol. Por ser o clube que formou o jogador, o São Paulo terá direito a 5% da transação, ou seja, cerca de R$ 9 milhões. O curioso é que isto equivale à metade do valor recebido pelo clube paulista quando negociou Kaká com o Milan, em 2003. Em outras palavras, o São Paulo vendeu Kaká por 10% do que ele vale hoje.

O São Paulo vendeu mal o atleta naquela época? Ou foi o Milan que soube vender muito bem o jogador? Nem um nem outro. Conforme a revista Veja reportou algumas semanas atrás, o negócio de comercialização de jogadores de futebol passou a ser algo altamente lucrativo quando algumas promessas juvenis se tornam craques profissionais. Portanto, jogadores de futebol passaram a ser opção de investimento para grandes investidores e algumas empresas.

Os jogadores, então, passaram a ser considerados como ativos na carteira de investimento destes agentes do mercado e, portanto, passaram a ser avaliados economicamente como os demais ativos financeiros. Ou seja, o preço de um ativo (jogador) deve ser equivalente a toda sua valorização futura esperada, descontado no tempo por uma taxa que reflita todos os riscos desta valorização se frustrar, que no caso de um jogador de futebol, são nada desprezíveis.

Sob este aspecto, é perfeitamente razoável supor que a negociação de Kaká pelo São Paulo, no passado, por 10% do que ele vale hoje foi o valor justo pelo jogador na época. É só ponderar que em 2003 Kaká ainda era muito jovem e só tinha provado seu talento enfrentando basicamente times brasileiros, em campeonatos regionais e nacionais. Levá-lo para o ambiente altamente competitivo de um campeonato europeu, com todas as incertezas se ele se adaptaria ao estrangeiro, ao estilo do futebol e à pressão, eram todos riscos que certamente foram considerados em sua precificação, tornando-a mais baixa.

Hoje, superadas todas estas incertezas, sendo um jogador de primeira linha, já eleito como melhor do mundo, restam poucos riscos que podem afetar os rendimentos que Kaká pode trazer para seu clube e investidores. Logo, são poucos os descontos que afetariam seu preço, que merecidamente é alto. É a economia!

domingo, 31 de maio de 2009

Professores x Bônus

Coluna publicada no A Cidade de 23 de Maio de 2009

Há algumas semanas o jornal A Cidade tem acompanhado e feito reportagens a respeito do bônus pagos aos professores da rede de ensino estadual. A matéria da edição de duas semanas atrás era visivelmente contrária a política de distribuição de bônus na educação e trazia a opinião de professores que se mostraram contra esta distribuição de bonificações por desempenho. Para enriquecer o debate, um contraponto se faz necessário nesta discussão e é isto que procurarei fazer na coluna de hoje.

Os principais argumentos contrários aos bônus apresentados na matéria supracitada são que (i) o bônus transforma a educação em um negócio, enquanto o certo seria o professor buscar motivação no papel que ele possui como agente transformador da sociedade; e (ii) o bônus acaba tendo efeito contrário na motivação do profissional, pois aquele que se esforça e no final não ganha bônus acaba ficando frustrado, ou seja, melhor seria aplicar este recurso diretamente no aumento salarial de todos.

Os dois argumentos são válidos, mas prefiro analisar o bônus sob outra ótica. No primeiro caso, o bônus serve justamente para premiar estes professores comprometidos com a educação de seus alunos. É uma questão de justeza. Separa-se o joio do trigo: reconhece-se o trabalho do bom profissional e evita-se, assim, premiar os oportunistas pendurados no Estado, que faltam às aulas e não se empenham para melhorar a educação (deles e das crianças).

No segundo caso, realmente seria frustrante se esforçar para não ser reconhecido, mas mais frustrante seria, na hora de um aumento salarial, aqueles oportunistas terem o mesmo reconhecimento dos profissionais que se esforçaram. Qual seria, neste caso, o incentivo para continuar se esforçando na melhoria do ensino? Neste caso, creio que o alvo de crítica deva ser não a política de distribuição de bônus, mas sim as metas estabelecidas que em alguns casos podem ser muito irrealistas.

E afinal, políticas de bonificações por desempenho realmente melhoram a educação? Contra os argumentos, os fatos. Na Universidade de Vanderbilt (EUA), foi criado um centro de pesquisa com o único propósito de estudar a eficácia destas políticas de incentivo aos professores. As pesquisas deste centro não se restringem às políticas adotadas nos EUA, mas também abordam as experiências em países emergentes como Índia e países de menor desenvolvimento, como Quênia.

Um dos maiores estudos do instituto está sendo feito na Índia, onde eles acompanham 500 escolas. Em metade destas, os professores recebem bônus pelo desempenho da escola ou dos seus alunos. No restante das escolas, foram adotadas outras políticas para melhoria do ensino, como segundo professor na sala de aula, melhoria dos equipamentos da sala de aula ou nem se quer fizeram alguma intervenção.

Após o primeiro ano de pesquisa, já se pôde observar que os alunos das escolas cujos professores podem receber bônus têm um desempenho melhor em matemática e leitura, em relação às escolas que receberam nenhuma ou outras intervenções. Foi constatado que os professores que participam do programa de bônus são mais motivados, dão mais exercícios aos seus alunos e são mais exigentes com eles.

Mesmo que estes professores passem a agir oportunisticamente de forma a treinar os alunos tão somente para os testes que medirão o desempenho da escola, a política de bônus vale a pena, a princípio, dado o atual nível de educação das crianças formadas nas escolas públicas do país.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Capitalismo estatal

Postado no Jornal A Cidade e na Infomoney.com.br em 24 de Abril de 2009

Em decorrência da crise internacional, uma onda estatizante tomou conta do globo sob a justificativa de salvação da economia, em especial do sistema financeiro internacional. Primeiro foi a Alemanha que anunciou a estatização de importantes bancos. A Inglaterra e o Japão já sinalizaram que vão seguir o exemplo e o governo dos Estados Unidos admitiu que esta seria a melhor solução para salvar o sistema bancário e a economia norte-americana.

Medidas e anúncios deste tipo deixam os liberais, que outrora defendiam a desestatização da economia, de sorriso amarelo enquanto aqueles alinhados a diretrizes mais à esquerda ficam com um sorriso de canto, com ares de "Eu não disse! Este sistema é insustentável!"

Seria este o fim do capitalismo? Enganam-se aqueles que consideram que o capitalismo está prestes a ruir juntamente com o sistema financeiro dos grandes centros. Esta estatização que ocorre nos bancos das principais economias visa justamente dar sustentação, isto é, capital ao setor financeiro para que a máquina capitalista do restante da economia não pare de funcionar.

Só porque os bancos estão sendo estatizados não significa que eles se tornarão públicos e a serviço da população. Servirão a população apenas de forma indireta, fornecendo recursos para as empresas e consumidores e mitigando o risco de um quadro de desemprego mais generalizado.

A estatização da economia, portanto, não significa que o sistema capitalista mudou ou acabou. O sistema permanece o mesmo. O que muda é tão somente o sócio capitalista das empresas estatizadas. Se antes eram grupos privados, agora é o Estado quem configura entre os principais acionistas destas firmas.

O risco desta guinada estatizante não está em uma suposta ameaça ao sistema econômico vigente, mas sim na apropriação privada que o governante de plantão pode fazer desta fatia maior da economia sob sua tutela.

Tomemos como exemplo a Venezuela. Se no discurso o presidente Chávez mostra-se como um combatente do imperialismo e do capitalismo norte-americano, na prática ele age como o presidente executivo da maior empresa de seu país: o Estado da Venezuela. O problema da empresa-Estado de Chávez é que ela não dá chance para concorrência. A população que não faz parte do corpo funcional do governo ou de suas estatais é deixada ao relento, com poucos incentivos para prosperar fora do guarda-chuva estatal e com uma inflação que beira os 30%.

Capitalismo de uma empresa só - o Estado. Este é o maior risco sistêmico que estatizações podem causar.

sábado, 25 de abril de 2009

Finanças Islâmicas

Coluna publicada em Infomoney.com.br em 1 de Fevereiro de 2008

Se você ainda não ouviu falar, certamente começará a ouvir cada vez mais sobre as finanças islâmicas. Os produtos financeiros deste segmento têm como característica seguirem os preceitos da Sharia, o conjunto de leis que regem o islã. Desta forma, alguns requisitos nestes contratos financeiros devem ser atendidos.

Entre estas características peculiares, algumas chamam mais a atenção, como a proibição da cobrança de juros (Riba). Os empréstimos são permitidos, mas o credor recupera seu investimento através de um esquema de compartilhamento dos lucros do devedor. Os financistas são obrigados a compartilharem os riscos com o tomador dos recursos. Assim, estas formas de financiamento se assemelham a um contrato de leasing e as instituições islâmicas acabam atuando como se fossem um fundo de private equity. Criam-se incentivos para os tomadores investirem em atividades produtivas.

Investir em certas atividades é proibido nestas linhas de financiamento. Entre estas atividades estão bebidas alcoólicas, fumo, carne suína, pornografia e armamento. No Brasil, um fundo de ações com a proposta de seguir a Sharia com papéis da Souza Cruz, AMBEV e Forjas Taurus seria algo impensável.

Os produtos financeiros islâmicos estão ganhando popularidade nos EUA e Inglaterra. Nos dois países, estes instrumentos já não são ofertados exclusivamente por instituições financeiras árabes e começam a ser encontrados em bancos como o HSBC e Citibank. Entre os produtos mais populares, estão os contratos de hipoteca. Pessoas que possuíam hipotecas convencionais com juros pós-fixados estão se refinanciando com equivalentes islâmicas de prestações fixas que embutem um lucro pré-determinado para o banco.

Entre os drivers para uma maior expansão deste segmento do mercado no ocidente estão a escalada no preço do petróleo que está fazendo as instituições financeiras do Golfo Pérsico prosperarem. Assim como também prosperam os fundos soberanos desta região que recentemente começaram a injetar capital em bancos ocidentais. O cenário de crescente concorrência entre os bancos e a busca de produtos que atendam nichos de mercado, como foi apontado na coluna de 26/12 (Wired Magazine, the long tail e fundos de investimento, José Brazuna), também fazem este segmento se expandir.

O próprio crescimento da população muçulmana impulsionará o desenvolvimento das finanças islâmicas. Atualmente, estima-se que 22% da população mundial siga o Alcorão, em 2050, este percentual tende a chegar a 27%. No século passado, ao deixarem seus países de origem e virem ao ocidente, os muçulmanos invariavelmente optavam por se "adaptarem" a cultura e costumes locais.

Hoje em dia, os imigrantes estão optando por manterem seus costumes e tradições. Assim como já é possível encontrar no comércio local itens de vestuário, brinquedos (bonecas de burka!) e alimentos especiais. Em breve, testemunharemos as agências bancárias de bairro oferecendo produtos financeiros compatíveis com a orientação religiosa de seus clientes.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Diversificando prejuízos

Coluna publicada no Infomoney.com.br em 7 de novembro de 2008

Investidores institucionais com portfólios globais passaram, durante a última década, por um processo de diversificação de suas carteiras. Este movimento visava incrementar suas taxas de retorno para além da rentabilidade de títulos de primeira linha, notadamente papéis do tesouro norte-americano.

As opções foram muitas: títulos e papéis oriundos de países emergentes, hedge funds, fundos de private equity, commodities entre outros. Argumenta-se que a diversificação também serviu para tornar menos volátil o fluxo de caixa destes investidores. Assim, para citar o exemplo dos fundos de pensão, a diversificação é positiva pois eleva a rentabilidade destes fundos para que eles cumpram suas metas atuariais ao passo que resguarda o patrimônio dos mesmos de eventuais oscilações cíclicas de curto prazo.

Isto até 2008. Com o início da crise financeira global, a diversificação dos investimentos dos fundos de pensão serviu não só para o compartilhamento de riscos, mas para a disseminação de prejuízos de forma generalizada. O que houve foram quedas, de modo geral, em todas as classes de ativos. As preocupações com uma recessão econômica estão levantando suspeitas sobre a capacidade das empresas de honrarem suas dívidas (afetando o mercado de dívida corporativa) e rebaixando também os prospectos de lucros, o que atinge negativamente o mercado acionário. A desaceleração global também afeta a demanda por commodities e, por conseguinte, seus preços.

Ademais, o processo de desalavancagem que os agentes vêm exercendo gera pressão adicional sobre o preço de diversos ativos e mercados. Neste cenário de queda generalizada, a diversificação torna-se justificável somente sob o argumento que algumas classes de ativos estão caindo menos que outras. Ou seja, o prejuízo dos fundos poderia ser pior caso estivessem concentrados no "cavalo perdedor". E há sempre os casos de conflito de interesse para explicar a diversificação. Neste caso, os gestores dos fundos usam a diversificação de suas carteiras (e a gestão adicional que isto acarreta) como uma maneira de justificar as altas taxas de administração cobradas.

No Brasil, os fundos de pensão entenderam diversificação como tão somente aumento de exposição à renda variável. Isto acabou tendo efeito contrário, causando uma concentração de investimentos dos fundos em papéis deste tipo. Como bem apontou um colega do banco, existem fundos com até 60% do portfólio alocado em renda variável. Se tomarmos a volatilidade do mercado, o valor em risco destes fundos deve ser significativo e incompatível com as obrigações destas instituições frente a seus beneficiários.

Mesmo que tenham cumprido suas metas nos últimos anos devido à forte apreciação do mercado acionário, o risco de se concentrar em ativos voláteis, com retornos pró-cíclicos não pode ser desprezado. Uma diversificação mais salutar neste caso seria aumentar os investimentos em projetos de infra-estrutura, que apresentam fluxos de caixa menos voláteis, ou seja, menores riscos mas ainda assim com retornos atrativos.

No caso brasileiro, isto casaria com a enorme demanda por infra-estrutura do país. Os efeitos multiplicadores destes investimentos possibilitariam um crescimento mais virtuoso da economia tendo desdobramentos sobre o retorno do restante do portfólio destes mesmos fundos, isto é, aumentando o retorno das ações das empresas.

Isto serve para exemplificar que em tempos de crise, não existe resposta pronta para qualquer situação. Assim como a diversificação de grandes portfólios não evitou prejuízos e inclusive colaborou para potencializá-los em alguns mercados, a concentração em ativos voláteis também é inadmissível.

Acionistas batem cabeça em conflitos de agência

Coluna postada no Infomoney.com.br em 23 de maio de 2008

Os custos de agência são as ineficiências geradas pelos diversos conflitos de interesse existentes entre alguns dos stakeholders de um negócio. Entre estas ineficiências, pode-se citar o racionamento de capital (subinvestimento) e outras ações tomadas que não maximizam o valor da empresa para o acionista.

Os conflitos de agência mais conhecidos são entre os acionistas e os administradores da firma, entre os acionistas e os credores e entre os atuais acionistas e os futuros acionistas.

No primeiro caso, os conflitos existem pois os interesses dos administradores nem sempre estão alinhados com os dos acionistas. Administradores têm interesse em se perpetuarem em seus cargos e construir impérios para ganharem visibilidade. Isto os leva a adotar medidas que nem sempre são as melhores para os acionistas, como implementar projetos de baixa rentabilidade só para aumentar a empresa e suas responsabilidades.

Também podem, por outro lado, deixar de investir e acumularem caixa, tornando a empresa pouco atrativa para potenciais compradores e, portanto, usar isso como mecanismo de defesa contra alguma proposta de aquisição que colocaria seus empregos em risco.

Entre acionistas e credores, os conflitos advém do fato dos acionistas em caso de default comprometerem seu capital até o limite do capital social da companhia. Ou seja, uma vez com capital financiado, os credores têm interesse em que a empresa adote projetos mais conservadores, que garantam o repagamento da dívida. Os acionistas, ao contrário, desejam projetos mais arriscados, pois estes possuem um upside maior e o eventual prejuízo é compartilhado com os credores até o limite do patrimônio da empresa.

Atuais acionistas tendem a evitar a emissão de novas ações para o financiamento de projetos em estágios avançados de planejamento, pois os acionistas futuros se beneficiariam do novo fluxo de caixa, mas dada a assimetria de informação dos custos já incorridos pelos atuais acionistas, as novas ações seriam lançadas com um desconto.

Curiosamente, existe um outro conflito de agência menos conhecido que é aquele entre os próprios acionistas atuais de uma empresa. Este tipo de conflito vem à tona quando um dos acionistas possui ações em outra empresa que esteja sendo alvo de aquisição pela primeira empresa.

Nesta situação, o acionista com participação em ambas empresas desejará que a fusão maximize o valor dos acionistas de ambas empresas, ao contrário dos outros acionistas que trabalharão para a maximização do valor apenas dos acionistas da adquirente.

Chega-se a um impasse que invariavelmente resulta na inviabilidade da fusão. Situações como esta chegam a afetar a própria atuação dos administradores da adquirente que, para evitarem frustrações, procurariam não recomendar a compra aos seus acionistas de empresas que provocariam este tipo de conflito. E isto pode resultar em alocações sub-ótimas do capital da adquirente.

Este tipo de conflito é comum entre investidores institucionais, como fundos de pensão, que possuem participações em várias empresas simultaneamente. A forma de mitigá-lo, porém, ainda não é tão clara e óbvia.

sábado, 28 de março de 2009

Quem mexeu no meu bônus?

Coluna publicada no portal Infomoney.com.br, em 27 de março de 2009

O escândalo dos bônus distribuídos aos dirigentes da seguradora norte-americana AIG adicionou lenha na fogueira da já polêmica discussão acerca da remuneração de executivos de grandes corporações.

Opinião pública e políticos norte-americanos condenaram a prática de se pagar bônus milionários para os funcionários de uma empresa à beira da falência que sobrevive graças aos aportes de US$ 180 bilhões do governo norte-americano. Por esta ótica simplista, isto de fato é nonsense. Porém colocando as emoções de lado e analisando mais friamente o episódio, é possível achar razões e explicações para a atitude da AIG.

Primeiramente é importante ressaltar que o governo norte-americano ter transferido bilhões para a AIG não significa uma aprovação por parte do governo da gestão financeira da empresa. A operação de salvamento da AIG foi feita por necessidade, para salvar o sistema financeiro como um todo. Ou seja, para evitar um dano maior ao país e ao globo do que os bilhões utilizados no socorro a empresa.

Mesmo assim, a atitude do governo dos EUA de condenar a distribuição de bônus da AIG é cabível? Eu creio que não. Caso o governo quisesse interferir na gestão da empresa, que o fizesse estatizando de fato a empresa e mudando sua gestão e políticas de bônus.

Ademais, esta postura do governo norte-americano só dificulta seus planos de salvar o sistema financeiro. Se a ajuda a instituições financeiras for seguida de interferências não acordadas previamente, criar-se-á incentivos para os bancos em necessidade começarem a rejeitar as ajudas do governo.

Voltando à questão central, o que explicaria a opção da AIG pela distribuição de US$ 160 milhões aos profissionais responsáveis pelo fracasso financeiro da seguradora?

Uma razão, a mais óbvia, é o cumprimento de contratos previamente acordados com estes profissionais. Mas até aí a empresa poderia optar por renegociá-los ou pagar o acordado e, em seguida, demitir estes funcionários.

Uma razão menos óbvia que levou a empresa a não fazer isso foi a de preservação da essência de sua política de remuneração variável. E esta explicação passa pelos incentivos (sempre eles) e sinalizações que uma política de bônus procura desenvolver quando uma empresa opta por esta maneira de remunerar seus funcionários.

Ao adotar uma política de bônus, a empresa visa criar incentivos para seus executivos tomarem riscos e buscarem a maximização de valor da empresa. Paralelamente, a empresa também busca com isso atrair os maiores talentos do mercado. Portanto, a ganância tão atacada pelos opositores deste sistema remuneratório nada mais é que um fruto dos incentivos criados por essa política. Sem dizer que sem esta ganância, o desenvolvimento do sistema capitalista e os ganhos de produtividade da economia teriam evoluído a passos de tartaruga nos últimos 20 anos.

Ao final de um período de prejuízo, no entanto, as empresas muito agressivas na remuneração variável de seus funcionários se veem em uma encruzilhada. Elas devem definir se cortam os bônus e com isso a confiança e motivação da equipe ou se bancam o bônus (ou parte significante dele), nem que isso aumente o prejuízo, pensando na manutenção dos incentivos e sinalizando, com isso, que a empresa confia e conta com a capacidade da equipe em reverter o cenário negativo.

Obviamente, o desfecho desta decisão passa pela análise dos fatores que levaram a empresa ao prejuízo. Analisa-se se foram situações e mudanças de conjuntura fora do controle dos executivos ou se foram situações diretamente relacionadas às decisões tomadas por estas pessoas ou mesmo um misto de ambos que frustraram os resultados da empresa.

No caso da AIG, sob este aspecto, a distribuição de bônus é justificável. Que os responsáveis pelo definhamento da empresa foram gananciosos e irresponsáveis não pairam dúvidas (e foram incentivados para serem). Que eles são incompetentes, eu já acho que não. Se o fossem já teriam sido demitidos. Portanto, dado que a empresa aparentemente acredita ser a mesma equipe que colocou a AIG nesta situação a mais apta para tirá-la do buraco, nada mais justo que manter os incentivos e a confiança destes profissionais ao honrar o que havia sido pactuado anteriormente. Doutra forma, qual seria a motivação destes funcionários para salvar a empresa?

E o que a empresa sinalizaria caso quebrasse este acordo prévio? Daqui a cinco anos, na hipótese de a seguradora se recuperar e se tornar uma potência no setor, você enviaria seu currículo para uma vaga na AIG que prometesse bônus extraordinários?

Por que Sabesp?

Coluna publicada no jornal A Cidade, em 28 de Março de 2009

O editorial do AC de duas semanas atrás, procurou chamar novamente a atenção para o pendente desfecho da concessão dos serviços de saneamento em nossa cidade. O texto trata de um assunto importante para ser ignorado e o próprio jornal deveria colocar na pauta de suas edições seguintes a opinião dos dirigentes de Pinhal a respeito do assunto. Os editores do AC, porém, passam a impressão de que descartada a opção pela municipalização dos serviços, restaria a renovação do contrato com a Sabesp como única, ou melhor, opção a ser feita.
Em fevereiro do ano passado esta coluna tratava do mesmo assunto. Resgato hoje algumas das opiniões, ainda válidas, que ali foram colocadas.

Primeiramente, se ainda não é, já deveria ser consenso que o município não tem condições técnicas e principalmente financeiras de assumir os serviços de saneamento e os investimentos necessários para tanto.

No entanto, isto não significa que só resta a opção Sabesp para Pinhal. Outras empresas privadas estão cada vez mais dispostas a investir em projetos de água e esgoto e a assumirem concessões municipais de saneamento.

A concessão dos serviços de água e esgoto é um ativo valioso. Quanto vale? Não sei. Só uma avaliação econômico-financeira poderia dizer. Mas isto é algo que se já não foi feito, já deveria ter sido providenciado. No momento, ninguém melhor que a Sabesp tem as informações necessárias e a avaliação de quanto vale esta concessão. Não é a toa que ela se apresenta como a mais interessada na renovação do contrato, inclusive oferecendo planos de investimento e expansão dos serviços. Se a concessão valesse pouco, ela não ofereceria tanto. Mas como extrair a melhor negociação com a estatal? Somente procurando saber quanto vale este contrato.

Em Mogi-Mirim, a solução encontrada pelo município para maximizar os ganhos para a cidade foi fazer uma licitação pela concessão dos serviços de saneamento. Nada mais justo. Não se apronta um escândalo para compras e contratos da prefeitura que são feitos sem licitação? O que dizer então de um contrato de 30 anos para um serviço essencial a população e que envolve milhões de investimento? Por que não uma licitação?

Obviamente para esta opção, deve-se primeiramente fazer uma sondagem para verificar se existiriam empresas interessadas, formatar um edital e minuta contratual blindados para haver transparência e poder atrair o maior número de participantes. Uma sugestão já seria estabelecer investimentos mínimos (iguais ou maiores aos oferecidos atualmente pela Sabesp). O vencedor poderia ser aquele que apresentasse a menor tarifa ou um misto de menor tarifa com maiores investimentos. O que melhor se adequar a necessidade do município.

No caso de Mogi-Mirim, o vencedor da licitação foi um consórcio formado pela própria Sabesp e por outras empresas privadas.

Temos dois exemplos, próximos a Pinhal, de soluções distintas para o problema de renovação de contrato com a Sabesp. Um é o de São João da Boa Vista que optou pela renovação sem licitação e outro o de Mogi-Mirim que optou pela licitação. Antes de qualquer coisa, uma visita a estas cidades para estudar a viabilidade e os pros e contras de cada solução torna-se imperativa para as pessoas de Pinhal a cargo desta negociação que estejam realmente interessadas no que for melhor para a população.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Os verdes em xeque

Coluna publicada na Infomoney.com em 28 de março de 2008

Há algum tempo economistas e pesquisadores de outras áreas tentam precificar as amenidades do meio ambiente. Quanto custa o ar despoluído? Qual o valor de uma mata nativa? Por serem bens que não possuem mercado onde possam ser comercializados, a estimação de seus preços é um desafio. A definição desses valores seria útil na determinação de multas para crimes ambientais e também para uma melhor análise sócio-econômica de projetos (talvez seja justificável fazer um pequeno desmatamento em uma região se o projeto proporcionar retornos sociais extraordinários).

Muitos ambientalistas, porém, são intransigentes e refutam esta abordagem econômica da natureza. Argumentam que o meio ambiente deve ser preservado a qualquer custo. O curioso é que na maioria dos casos, os próprios ambientalistas se recusam a incorrer nos custos de preservação ambiental.

Um exemplo recente está no programa de concessão de uma extensa reserva florestal em Camarões. O ministro do meio ambiente daquele país diz que poderia conceder a área para a exploração econômica a ser feita por uma empresa madeireira, mas prefere concedê-la a um grupo ambientalista qualquer a fim de preservar a floresta tropical da região. A concessão, no entanto, tem um preço: 1,6 milhões de dólares por ano (US$ 2 por hectare). Até agora, nenhuma ONG de preservação ambiental se propôs a pagar para preservar a vasta área no sul do país africano.

A idéia de conceder florestas para a preservação é uma idéia recente e que já possui casos de sucesso. A organização ambiental WWF já preserva áreas concedidas em países como Peru e Guiana, mas a um preço muito menor que o pedido pelo governo camaronês. Esta foi a justificativa deles ao refutarem o projeto de Camarões. Mas o meio ambiente não deveria ser preservado a qualquer custo? E o avanço das pastagens, plantações e extrativismo, que tornam as matas nativas cada vez menores não teria justamente o efeito de torná-las cada vez mais caras (por estarem mais escassas e ameaçadas)?

Esta atitude contraditória dos ambientalistas põe em xeque suas reais intenções e benefícios que proporcionam ao meio ambiente. Tem-se a sensação que os recursos arrecadados por estes grupos são destinados mais para fazerem barulho e mídia do que para projetos que de fato conservam o meio ambiente.

As ONGs ambientais são altamente dependentes de doações e convênios com entidades públicas. Da mesma forma que se costuma dizer que no Brasil existe a indústria da seca, pode-se argumentar que os ambientalistas fomentam a indústria do "próximo cataclismo ambiental". Na mídia, há sempre um desastre ambiental em vias de acontecer cuja fonte da notícia, invariavelmente, é um grupo ambientalista. A iminência de uma catástrofe é necessária para a manutenção do fluxo de recursos destinados à ONG. Se a expectativa é que nada sendo feito tudo permaneça inalterado pelos próximos 50 anos, ninguém vai querer doar dinheiro aos ambientalistas.

Este método de atuação das ONGs ficou evidenciado 7 anos atrás quando o estatístico dinamarquês Bjorn Lomborg lançou um livro chamado O Ambientalista Cético. Nele, Lomborg conseguiu provar usando dados estatísticos oficiais que o meio ambiente não se encontrava em um estado tão catastrófico quanto o alarmado a época pelos ambientalistas.

O livro caiu feito uma bomba entre os verdes. Mas a reação predominante foi rechaçar os argumentos do dinamarquês atacando sua reputação e não seus métodos. Como aparentemente os donativos às ONGs não cessaram em função da publicação do livro, não houve necessidade de fazerem uma revisão em seus estilos de atuação. Ficamos, portanto, no aguardo da próxima era do gelo.

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Não culpem a bola de cristal

Coluna publicada na Infomoney.com em 27 de Fevereiro de 2009

É comum analistas de mercado, ao projetarem a demanda de um setor ou empresa específica, lançarem mão da utilização de uma elasticidade-PIB para explicar o comportamento futuro do mercado em questão. Mas o que quer dizer essa elasticidade-PIB? E sempre faz sentido usá-la?

A grosso modo a elasticidade-PIB da demanda de um setor, digamos energia elétrica, é a sensibilidade que o mercado de energia tem a variações do PIB brasileiro. Ou seja, tudo o mais constante, uma elasticidade-PIB unitária significa que o mercado de energia elétrica evolui no mesmo ritmo que a economia do país. Se essa elasticidade valesse e o PIB crescesse 5%, a demanda de energia elétrica subiria 5% também.

Análises de mercado embasadas em elasticidades-PIB fazem todo sentido quando existe uma justificativa econômica para se supor que o PIB do país explica este ou aquele mercado específico. A utilização indiscriminada de uma elasticidade-PIB, no entanto, peca pela simplicidade, pela falta de rigor técnico e pelo risco de se fazer relações espúrias, ou seja, relacionar alhos com bugalhos.

No limite, se o analista considera que o PIB explica a evolução de todos os mercados, gera-se um problema de endogeneidade: usa-se o PIB para explicar tudo, quando na verdade é o PIB o que é explicado por tudo. Ademais, estimar elasticidades minimamente confiáveis demanda séries históricas mais longas, que no caso do PIB brasileiro é um pouco complicado obter ainda mais com a sua recente revisão de metodologia de cálculo.

Alternativamente à elasticidade-PIB, o analista pode estimar elasticidades com outras variáveis econômicas mais relevantes para o mercado sob análise, inclusive com a aplicação de modelos multifatoriais. Afinal, nada é tão simples para ser explicado por uma única variável. No rol de opções de outras variáveis econômicas estão a produção industrial por subsetor, dados de emprego e renda, importações e exportações, índices de preços entre outros.

A questão que surge é: existe demanda para este tipo de análise um pouco mais aprofundada por parte do analista? Primeiramente, para partir para uma análise com diversos fatores, o analista precisa do suporte de outra área de pesquisa que projete estas outras séries utilizadas em seus modelos de mercado. De que adianta modelar a demanda de energia elétrica usando a taxa de ocupação da população se ninguém vai fornecer posteriormente os inputs de projeção desta taxa de ocupação?

Ainda assim, alguém acreditaria mais ou acreditaria menos em uma análise de mercado embasada em modelos de maior sofisticação em relação às análises com elasticidade-PIB? E se todos estão satisfeitos "comprando" relatórios com elasticidade-PIB, por que o analista se sentiria compelido a mudar seu método de projeção?

Ou seja, a melhora nas análises de mercado que empresas e analistas elaboram deve ocorrer a partir do momento que os consumidores destas análises demandarem maior aprofundamento e rigor. A bola de cristal das projeções econômicas existe e funciona. Só é preciso saber manuseá-la.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Fórum Social (?) Mundial (?)

(coluna publicada na Infomoney e no A Cidade em 31 de Janeiro de 2009)

Esta semana, em Belém do Pará, teve início o Fórum Social Mundial 2009. Como o site do próprio Fórum diz, o objetivo deste encontro de movimentos sociais é estimular o debate, a reflexão, a formulação de propostas, a troca de experiências e a articulação para a construção de um outro mundo, mais solidário, democrático e justo.

Não precisa passar para o segundo parágrafo que versa sobre seus objetivos para compreender que o Fórum é impotente para não dizer que beira a inutilidade. Vejam bem: um encontro que visa "construir um outro mundo", que não prevê um plano de ação, que não possui representantes com posições executivas em governos ou empresas e que só se propõe a fazer debates ou reflexões nunca vai conseguir construir algo efetivamente. Construção só com falatório não existe, ainda mais se tratando da construção de um novo mundo.

Consultando a programação do evento, verifica-se que há nada mais nada menos que 1.964 atividades programadas para ocorrerem durante os seis dias do Fórum. Entre as atividades previstas estão um painel sobre a relação do movimento de catadores com a globalização econômica, uma mesa de diálogo com o tema "Petrobras Assassina" e um seminário sobre meio século de "vitórias do povo cubano". Pode-se imaginar que estes exemplos são as exceções do evento. Mas não são.

Já que o Fórum tem finalidade social, resolvi procurar por atividades que diziam respeito ao problema da pobreza e da fome na África. Resultado da pesquisa? Zero. Nenhum evento previsto sobre o tema. O fórum que se diz social e se diz mundial dá as costas para o lado mais pobre do planeta.

Com uma rápida visita ao site do outro Fórum, o Econômico Mundial de Davos, pode-se constatar que de fato o de Belém é o contraponto do primeiro. Afinal, o de Davos possui o que o Fórum Social não foi capaz de desenvolver em nove anos: ações concretas. Neste site existe um link exclusivo para o acompanhamento de todas as iniciativas e planos de ação desenvolvidos pelo Fórum Econômico ao longo dos últimos anos. Existem, inclusive, algumas iniciativas de cunho social. Aliás, o Fórum suíço é explícito, em seu site, ao dizer que o progresso econômico sem o desenvolvimento social não é sustentável.

Enquanto de um lado do mundo existem discussões e discursos prolixos, do outro existem debates e iniciativas visando à tomada de decisões e atitudes concretas.

Não é necessário dizer que enquanto o Fórum Econômico é uma organização sem fins lucrativos sustentada por doações da iniciativa privada, o Fórum Social custou este ano R$ 90 milhões, dos quais R$ 80 milhões foram doados pelo Governo Federal. O que realmente querem aqueles que vão a Belém?

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Milhas, bônus e monetarismo

(coluna publicada na Infomoney em 25/04/08)

Programas de milhagem e bônus de cartão de crédito são verdadeiros mecanismos de emissão de moeda. Neste caso, a moeda em questão é usada tão somente para transacionar mais passagens aéreas ou outros produtos à disposição no catálogo do programa.

Nos últimos anos, tem-se observado que os órgãos emissores destas milhas e bônus têm conduzido suas "políticas monetárias" de forma um tanto quanto frouxa, permitindo que a "base monetária" cresça aceleradamente. Os fatores para esta expansão da oferta de milhas e bônus são muitos.

Pelo lado das milhas, a oferta destas tem crescido com o próprio aumento do mercado de transporte aéreo, mas também com os inúmeros convênios que as companhias aéreas fazem entre seus programas de milhagem e outros serviços como aluguel de carros, redes de hotéis e mesmo cartões de crédito. Hoje em dia, nem mais é preciso ter voado uma única vez sequer para obter uma passagem aérea via acúmulo de milhas.

No caso dos bônus, a emissão deste meio de pagamento é atrelada ao dólar. Quanto maior for a conta do cartão de crédito convertida em dólares, mais se ganha bônus. A valorização do real no período recente, portanto, por si só já constitui um fator de expansão de oferta desta moeda. Mas ainda existem agravantes. No início da década, quando a taxa cambial era favorável aos emissores de bônus, os administradores destes programas começaram a flexibilizar suas políticas de emissão quebrando a paridade que até então existia para alguns clientes.

Ou seja, passaram a emitir mais de um bônus por dólar. Não é necessário dizer que estes beneficiados também eram os clientes com potencial de uso mais intensivo do cartão. Isto certamente agravou o efeito da valorização do real descrito acima. Ademais, o cartão de crédito também tem passado por uma escalada de sua base de clientes que certamente contribui para elevação da oferta de bônus.

Qualquer aluno de graduação em economia sabe que um aumento na oferta de moeda significa inflação caso não haja um correspondente aumento no produto total da economia. Não impondo limites à emissão, os administradores destes programas de milhas e bônus provocam tensões inflacionárias em seus mercados. Porém, eles também controlam a produção (bilhetes aéreos, produtos em catálogo) nestes mercados. Neste caso, as opções ao alcance destes programas são:
  • Manter os preços expressos em milhas/bônus congelados, mas expandir a oferta de produtos. Uma opção custosa.

  • Manter a oferta inalterada, mas aumentar os preços dos produtos. Uma opção impopular.
  • Um meio termo entre as duas anteriores: expande-se a oferta via lançamento de novos produtos a preços que já estejam inflacionados.


Esta última opção tem sido a adotada pelos programas por justamente maquiar a inflação, ao mesmo tempo que se passa a impressão de a empresa ter feito um agrado a seus clientes ao aumentar as opções de escolha para conversão de milhas e bônus.

Isto tão é verdade que o próprio site InfoMoney, em matéria do dia (17/04), veiculou reportagem sobre promoções de companhias aéreas na qual dizia que a TAM havia expandido seu programa de milhagem oferecendo alguns trechos nacionais por 3.000 milhas ao passo que anteriormente o trecho mais barato para qualquer lugar da América do Sul custava 10.000.

Ótimo! Agora, pode-se obter uma passagem gastando 30% do que se gastava anteriormente. No entanto, uma checagem dos trechos que fazem parte da dita promoção permite constatar que se estas passagens fossem pagas em dinheiro, a relação de preços seria menor que 30%. Ou seja, estas passagens promocionais estão inflacionadas em milhas.

Nunca ninguém reparou que os preços relativos dos produtos nos catálogos de bônus são totalmente distorcidos se comparados com os preços relativos dos mesmos produtos expressos em dinheiro? Eis uma explicação.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Velhos problemas e as origens da crise

(Coluna da Infomoney publicada em 10 de Outubro de 2008)

A teoria microeconômica nos ajuda a explicar alguns velhos problemas detectados nas origens da crise do setor financeiro que assola o planeta. Um deles é o clássico problema do agente-principal. Este é o problema de como uma pessoa A, o principal, pode incentivar uma outra B, o agente, para agir em benefício de A e não segundo seus próprios interesses. Na atual crise, os investidores de derivativos de crédito imobiliário e de títulos lastreados em hipotecas (CDOs e MBSs*) agem como o principal e contavam com a manutenção dos padrões de concessão de crédito de seus agentes, os financiadores imobiliários.

No entanto, o modelo de financiar o imóvel e repassar o empréstimo para frente como se fosse uma batata quente gerava pouco incentivo para o financiador se preocupar com o risco de crédito dos tomadores. Pelo contrário, os financiadores cediam os empréstimos, vendiam logo em seguida para os bancos que por sua vez securitizavam os recebíveis.

O sistema de incentivo foi invertido no sentido dos agentes se preocuparem mais nas comissões de suas negociações do que no fluxo de caixa que essas operações gerariam ao longo do tempo. Assim priorizavam a quantidade de operações ao invés da qualidade dos tomadores.


Desnecessário dizer que o risco de crédito aumentou drasticamente o que levou a uma crescente inadimplência tão logo os preços dos imóveis começaram a cair.

Outro problema detectado é o do risco moral. Este é o risco de um contrato prometer ganhos em certas condições e com isso incentivar uma das partes do contrato a mudar sua atitude adotando condutas que levem estas situações específicas a terem uma probabilidade maior de ocorrência.


Nesta crise, investidores e bancos usaram recursos de curto prazo para investir em produtos complexos de longo prazo, como os CDOs e MBSs, na expectativa de rolarem seus compromissos de prazos menores com recursos provenientes de mercados de alta liquidez como o interbancário. O risco desta estratégia, na visão dos players, é pequeno, pois todos contam com a injeção de liquidez do banco central caso isto se torne necessário. E como pode-se constatar, é exatamente isto o que está acontecendo.


Este problema do risco moral está sempre presente no mercado financeiro, pois os custos de se deixar uma instituição financeira ir à falência podem ser muito grandes para fazerem com que o banco central assista a um contágio de forma passiva.


As peculiaridades do setor (lê-se sua grande importância para o funcionamento da economia) fazem com que as conseqüências negativas das práticas de livre mercado, ou seja, as falências, não sejam imputadas sobre as instituições na maioria dos casos. Se o risco moral leva a este tipo de atitude oportunista, há espaço para mais regulação.


Nesta crise, o risco moral incorrido pelos agentes provou ser um tiro no pé, pois no momento atual, mais do que liquidez, o que falta é confiança entre os agentes. E quanto a isto, os bancos centrais têm se mostrado impotentes em prover.

*CDO: collaterized debt obligation
MBS: mortgage-backed security.